sábado, 18 de dezembro de 2010

O Trato

Vinte e seis de outubro,
Um dia obscuro
De noventa e seis.

Achegou-me a morte,
Sem acaso ou sorte,
Mas porque a chamei.

Foi no meu consultório.
Daquela sombra negra
Pude ouvir o sorriso,
Timbre rouco de guizo,
Escondendo a boca,
Pondo em cena o estilo
Para assustar a presa,
Que o terror amofina.

Mas foi meu o chamado,
Então não me importava
Com todo aquele clima.

Pude ver entre os dedos
Seus dentes estragados:
_ Deixe que eu veja isso?
Está tudo em cacos,
Parece a minha vida.

Pega desprevenida
Mostrou-me as suas presas
E adjacentes dores.

Fiz-lhe então a proposta:
_ Faço o tratamento
E como pagamento,
Deixe-me por enquanto.
Quando for minha hora,
Você vem sem demora
Com um sorriso bonito.

Sem pensar aceitou.
Depois de tudo pronto,
Levantou-se e foi embora,
Antes parou à porta:
_ O trato está firmado,
Vivas com mais cuidado
Olhes tudo a sua volta.
Deste-me este alento
Que trazia em tormento
Desde o início até agora.
Podes fazer bem mais
Do que pensas capaz
Pelos teus e por ti.
Vim buscar mais um fardo
Mas meu riso amargo
Que morreu por aqui.